23.6.08

 

Exercício Linguístico


O artigo abaixo – Kolmi – de Vasco Graça Moura, saído no Diário de Notícias de 11-02-2004, constitui um exercício de fino humor, como só um escritor de rara sensibilidade literária, como VGM, consegue engendrar, como forma de ilustrar a evolução da Língua Portuguesa, desde os longínquos e algo toscos tempos medievos até à crua realidade dos sofisticados, mas sumamente contraditórios tempos modernos ou pós-modernos.

Em oito pontos, VGM elabora oito pequenos textos, imitando estilisticamente outros tantos autores portugueses, de épocas diferentes, deixando pistas suficientes para o leitor os poder identificar.

Qualquer pessoa que haja concluído o actual Ensino Secundário obrigatório, com real aproveitamento escolar, estará em condições de corresponder a este divertido e inteligente desafio, se não em todos os pontos, pelo menos na maioria deles. Atente-se, todavia, que, para tal, até aos anos 70 do século passado, bastaria o antigo 2º ciclo, equivalente temporal, em estudos, do presente 9º ano de escolaridade.

O exercício termina reproduzindo um imaginado texto, caricaturado, naturalmente, mas sem ficar muito distante da realidade, de um aluno do Ensino Secundário hodierno que haja sofrido, continuada e cumulativamente, as consequências da sua degradação, no que respeita à aprendizagem do idioma pátrio.

Seria interessante fazer idêntico exercício, em relação a qualquer das restantes disciplinas do currículo da escolaridade obrigatória dos alunos de hoje, não para uma tão larga dimensão temporal, mas tão-somente comparando exames ou provas realizadas, nos mesmos níveis, nos últimos 50 anos, por exemplo.

Aí se veria onde e quando teria havido melhoria ou regressão na aprendizagem dos alunos, com ou sem apresentação de dados estatísticos, porque, como se sabe, «bem trabalhados», «bem castigados», «torturados», os números podem provar quase tudo…

AV_Lisboa, 22 de Junho de 2008

Nota : Este blogue está a comemorar o seu 4.º aniversário. Modestamente, mesmo quando tratou das misérias da Política de Guterres, de Barroso, de Santana e de Sócrates, 4 anos a defender Portugal, a cultura de matriz portuguesa, na sua plena dispersão pelo Mundo, na sua forma lusíada, multímoda, pluri-continental, pluri-racial, mas de raiz inequivocamente lusitana, enriquecida por todos aqueles que, em qualquer canto da Terra, em todas as épocas, a amaram, a amam, e hão-de continuar a amá-la, para fazer dela aquilo que querem que ela seja : uma cultura nobre, respeitada, digna entre as mais, para engrandecimento da Humanidade.
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Kolmi
Vasco Graça Moura_DN_11-02-2004

1. Entom chegaram uns moços folgando mui joviais e arremetendo por antre as cavalgaduras. E encontrando seu Mestre lhe disseram rijamente: - Bofé, dom vilão, que nom queremos nós nem trívio nem quadrívio, ca filharemos outro mester lavrando pedra em Castela. E o Mestre, mui calado e mui torvo, se foi asinha.

2. Entra Domingas e diz:

Eramá, esses bastardos /
nada querem da labuta. /
Muita parra, pouca fruta, /
pouca ervilha e muitos cardos. /
Triste vida fideputa! /
Antes irei de bom grado /
ver se acaso estou doente: /
sempre o físico consente /
em me passar atestado /
e então folga toda a gente. /
Ó filhos de Belzebú, /
acaso perdeis o siso? / A
os livros limpai o cu, /
ou metei-os no baú, /
que os lerdes não é preciso (vai-se bailando).

3. Aquela pastora mui merencoriamente assentada olhava o rouxinol que se ia morrendo. E a senhora Arima lhe falou, por conhecer, de tantas mágoas que ali tão longe a tinham trazido, qual fosse então a causa. Ao que ela em seu fundo suspirar, gemia que um zagal a pusera em tão triste estado, por porfiar ele mais em dar-lhe os ensinamentos que soía quando ela menos os desejava.

4. Não mais, Musa, não mais, que o meu engenho / a moucos vem falar, empedernidos. / Nem querem já saber porque aqui venho, / nem de meu estro são agradecidos. / Ó caso singular, ó caso estranho, / ó ruído mais torpe entre os ruídos! Em vez de honesto estudo próprio de aula, / mais se diriam feras numa jaula !

5. Pegavam os santos do Império Romano num pergaminho sagrado, desatavam as fitas, desenrolavam a pele, assopravam o pó, alisavam as dobras, decifravam a letra, abriam o coração e recitavam aqueles cânticos inefáveis. E vós hoje vedes um cartapácio, e não quereis sopesar-lhe o cabedal, afagar-lhe a lombada, abrir suas folhas, ler nele escorreitamente alguma lição impressa e preparar assim o Império que há-de vir !

6. O almocreve desbarretou-se e coçou a cabeça devagar: "- Ora, meu fidalgo, eu cá nesta vida só aprendi três coisas: assinar de cruz, pensar as mulas e não falhar com esta clavina. Não preciso de mais". E assentou pesadamente a coronha do bacamarte na soleira da venda. "- Veja o fidalgo o senhor Morgado de Agra de Freimas: tanto leu, tanto leu, que tresleu e deu em léria, com perdão de V. Exa."

7. Nas nossas aulas, ao amanhecer, / evita-se a leitura, o baço tédio, / pois a escola encontrou outro remédio / e eu deixo o meu cigarro esmorecer. / Austera escola! Aplica o seu afã / e ensina entre chilreios aos rebentos / os úteis, impecáveis rudimentos / para engraxarem botas amanhã.

8. Com um sacudir impaciente da botina de verniz, Cecília arredou aquela resma de papel sorumbático. Que estavam ali a fazer a gramaticazinha esbeiçada, o caderninho de significados com nódoas de tinta, a selectazinha encardida de vetustos autores? Pela janela aberta de par em par, a brisa do Tejo entrava, luminosamente, maciamente azul, numa doce lufada matinal. E Roberto estava a chegar.

9. Karaças, meu! Par-tu-tos kornos se olhas pràs koxas da Çónia Çoraia. Topas? A gaja é kinda não topou, mas logo apalpu-lhe as tetas nem ke seja ko telemóvel. Ontem a setôra xamou os meus pais, mas eles absteram-se de ká vir, meu, e ela kaga-se toda só de pençar ke lhe póço ir às fussas. Kolmi.
À consideração superior : do presente documento, vê-se que só à nona tentativa é que foi possível encontrar-se uma linguagem adequada às capacidades e necessidades comunicacionais dos aprendentes. Propõe-se pois que os programas de língua portuguesa sejam elaborados em conformidade.
Fim da transcrição do artigo de Vasco Graça Moura

15.6.08

 

Interlúdio Musical

Fora do bulício da capital, ouço, na Antena 2, da RDP, a música avassaladora de Wagner, no seu magnífico Tannhäuser.
Dizem que Hitler era um apaixonado da música de Wagner. Se o era, teria bom gosto musical, coisa quase herética sequer de admitir, quanto mais de proferir, já que, para o senso comum, de Hitler só poderia promanar o mal, o ódio e não quaisquer outros sentimentos normais de um qualquer comum mortal.

Acrescentam-se, nestes casos, justificações apropriadas. Talvez esse gosto se devesse à presença de algumas características da música de Wagner, de inspiração heróica haurida na mitologia germânica; talvez residisse aí, nessa busca da força mitológica dos heróis germânicos que Wagner empreendia nas suas pesquisas para criações musicais, a razão da enorme empatia de Hitler com a música de Wagner, sem dúvida em sintonia com os seus mais fundos ímpetos guerreiros, desde cedo na vida alimentados à espera de oportunidade azada para se desenvolverem.

Seja como for, declare-se que Wagner e o seu génio musical estão antes de Hitler e permanecerão para lá dele.

Wagner continuará, certamente por longo tempo, a contar com inúmeros ouvintes em todos os cantos do mundo, onde quer que floresça uma ponta de apreço da cultura ou da civilização, no caso, a ocidental, nascida aqui na Europa, a tal que parece hoje envergonhar-se de si mesma, tão concentrados se encontram no presente os Europeus e seus descendentes no Novo Mundo, nos aspectos negativos que ela também inegavelmente gerou, no seu devir histórico.

É curioso como certas figuras ou as suas produções artísticas ficam na História marcadas por determinadas ligações malditas que condicionam fortemente o julgamento que delas se fará, pelo menos durante algumas gerações, traumatizadas por acontecimentos nefastos, em períodos em que essas figuras ou as suas criações artísticas exerceram fascínio significativo nas sociedades por elas influenciadas.

Assim sucedeu com Wagner (1813-1833), Nietzche (1844-1900), Heidegger (1889-1976) ou, no campo da Ciência, com a figura controversa de Philip Lenard (1862-1947), contemplado com o Nobel da Física, em 1905.

No caso de Wagner, porém, será porventura onde o grau de injustiça é maior, pelas conotações indevidas que se estabelecem entre ele e o Nazismo, sendo ele inteiramente alheio a tal fenómeno, visto ter falecido em 1883, muito antes, portanto, mesmo do advento da tragédia do Nacional-Socialismo.

O próprio Adolfo Hitler só veria a luz do dia, em Abril de 1889. No entanto, estas relações, uma vez admitidas por esse mundo fora, torna-se depois difícil de as desfazer, mesmo expondo factos insofismáveis. Aliás, em todas as épocas, a tarefa de destruição de mitos foi sempre como se sabe de enorme dificuldade.

Até o nosso Pessoa, na Mensagem, se lhe refere, quando proclama que « O Mito é o nada, que é tudo…» e disto entendia Pessoa que auscultava enigmas, efígies e astros, tendo sido capaz de estabelecer o horóscopo de Portugal, entidade que bastante ocupou aquele seu cérebro eminentemente, incessantemente pensante, como raros que terão acostado por esta extrema europeia.

Wagner, pois, merece que o ouçamos com toda a atenção. Já não direi que todos reúnam o estofo ou a perseverança musicais para as suas óperas trabalhosas e intermináveis, como a série – tetralogia – do Anel de Niebelungo, ainda que fosse com as explicações minuciosas e judiciosas do saudoso João de Freitas Branco, invulgar talento de divulgador e comentador, em tudo quanto se relacionasse com a Música.

Haja em vista também a sua tradução de uma obra de Matemática da colecção de manuais universitários da Gulbenkian, muito usada em tempos pelos estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa e o do Instituto Superior Técnico, denominada Cálculo Diferencial e Integral, em três volumes, de autor alemão.

João de Freitas Branco, que era também licenciado em Matemática e excelente conhecedor das línguas alemã e portuguesa, houve-se a preceito desse notável trabalho de tradução, como só são capazes os probos competentes nos idiomas envolvidos na tradução, bem como da matéria de que esta consta.

No presente, só os Maestros José Atalaia, António Vitorino de Almeida ou Álvaro Cassuto se lhe poderão comparar, mas nenhum se avantajará nos méritos a esse predestinado João de Freitas Branco, nascido numa família de ouro da música erudita portuguesa.

Seu pai, Luís de Freitas Branco, compositor emérito, que poderia ombrear com qualquer outro músico de prestígio internacional seu coevo, e seu tio, Pedro de Freitas Branco, exímio Maestro, notável condutor de Orquestra, considerado o melhor Maestro do seu tempo para dirigir peças de Ravel, tiraram-nos da penumbra cultural em que nos situávamos e nos continuamos a situar, apesar do grande incremento havido entre nós no campo da Música, nos últimos trinta anos, há que reconhecê-lo.

Será talvez aqui que o Ensino não terá registado retrocesso, na era democrática post-abrilina, confirmando o conhecido adágio de não haver regra sem excepção.

Valeria a pena averiguar a razão deste inesperado sucesso, na exigente disciplina do saber que é a Música, quando todo o resto do Ensino mergulhou num imenso naufrágio, de que haveremos colectivamente de pagar elevado preço, num futuro cada vez mais próximo.

Na música dita erudita ou clássica, para usar expressões convencionais, a existência de um público apreciador pressupõe algum investimento cultural em matérias acessórias, ao mesmo tempo que se necessita de uma oferta ampla de qualidade em concertos ao vivo, gratuitos ou a preços acessíveis, para atrair e assim criar o hábito de conviver com este tipo de música, que requer audição atenta, propósito adequado, para dela se fruir completamente.

A Rádio pode desempenhar aqui um papel relevantíssimo, como tem acontecido com a Programação da Antena 2, levando ao conhecimento de vastas camadas da população, peças e intérpretes fundamentais, de contrário só familiares de um escasso núcleo de iniciados e profissionais.

A Rádio pública pode e deve chamar a si esse objectivo, como tem feito ao longo da sua existência, sempre animada de um intento didáctico, para fornecer aos ouvintes os elementos indispensáveis à compreensão das peças que vai passando.

Infelizmente, a tendência de introduzir outros tipos de música neste canal, bem como faixas extensas de programas falados, conversados, distorce a sua função, que deveria ser primacialmente a de divulgar e fomentar o gosto da música clássica. Para as outras, há inúmeros canais que já as transmitem em doses superabundantes. Eis aqui uma matéria para reflexão dos responsáveis da RDP.

Outra preocupação que a Antena 2 deveria continuar a observar é a da completa identificação das peças e dos intérpretes antes e no fim da sua apresentação, para que todos os ouvintes possam reter e identificar aquilo que escutaram.

Alguém que sintonize a estação a meio de uma peça, só no final da mesma poderá captar a sua identificação, se acaso esta for dada em repetição, como, julgo, continuará a ser de regra.

Em particular, devo à RDP, Antena 2, inúmeras horas de boa companhia, desde os tempos de estudante, no Secundário e depois na Universidade, durante as longas jornadas de estudo e de preparação para exames. Este hábito criou raízes e subsiste hoje, apesar da concorrência de muitos outros meios de diversão e de lazer.

Com o hábito de escutar música clássica, vai-se educando ou formando um gosto, que perdura, no tempo, assegurando público para um reportório, afortunadamente imenso, deixado por gerações e gerações de músicos de grande inspiração e intérpretes de enorme talento.

Além disso, este tipo de música, uma vez entrada nos hábitos de audição dos jovens, sobretudo, estimula a criação de hábitos de atenção concentrada, prolongada no tempo, atitude muito útil em qualquer actividade cultural ou espiritual que por eles venha ulteriormente a ser desenvolvida.

Creio errada a ideia de que os jovens e o público em geral não apreciem música clássica. O que sucede é que, com base neste preconceito, se impede a oportunidade de divulgar este tipo de música e, sem isso, a grande maioria das pessoas, que não recebeu educação musical formal, séria, na Escola, acaba por não ser atraída e despertada para o vasto prazer espiritual, se não também sensorial, que dela pode retirar. Isto, que tem sido dito por imensa gente, vezes sem conta, permanece, todavia, pouco atendido.

Haveria que repetir a experiência dos Concertos Promenade do exuberante Leonard Bernstein, que a Televisão Portuguesa chegou a transmitir, com certa regularidade, antes do dilúvio de futilidade e grosseria que dela tomou conta, a pretexto da concorrência com o lixo dos canais privados, que, por sua vez, alegam apenas corresponder ao gosto maioritário do Público.

Entre nós, modernamente, os Maestros José Atalaia e António Vitorino de Almeida poderiam muito bem desempenhar papel idêntico ao de Bernstein, com competência e a contento de todos, como muita gente, que já assistiu a essas sessões orientadas por aqueles Maestros portugueses, poderá decerto comprovar.

Bastaria um pouco mais de ousadia cultural naquela casa transformada em antro de leviandades para que tal voltasse a ser possível e talvez com a descoberta de que tais iniciativas, longe de afastar, haveriam de atrair públicos impensados, quem sabe se destronando imaginados campeões de audiências, estribados na vulgaridade, na alarvidade mais ordinária ou na futilidade mais insignificante.

Mas, para isso, seria mister haver por lá alguém disposto a arrostar com supostos papas televisivos, especialistas na arte da subjugação de vastos auditórios, dispondo de cobertura superior para agir contra-a-corrente do mau gosto erguido em padrão de modernidade.

Quanto tempo teremos ainda de esperar para que tal possa acontecer ? Em que reino democrático tal será possível ?

Nem na múltipla oferta do cabo se consegue fugir da enxurrada de frivolidade do presente mau gosto, nacional e internacional, reconheça-se por mera verificação !

E, desprendidos de descabidos preconceitos, voltemos a dar atenção ao soberbo «Tannhäuser», ao magnífico «Tristão e Isolda» do excelso Wagner, a despeito de todos os déspotas enlouquecidos, que de tal possam também gostar ou haver gostado.

AV_Óbidos_14 de Junho de 2008

1.6.08

 

Tempos Difíceis


Regresso a estas lides após um breve interregno, durante o qual os candidatos à chefia do PSD se confrontaram entre si sobre quem é mais excelente para levar de novo o Partido à vitória nas próximas eleições legislativas, em Outubro de 2009.

De Doutrina, trataram pouco. Falaram de alguns temas económico-financeiros, como de costume, debitando as receitas usuais : controlo da despesa pública, reforma do Estado, menos Estado, para melhor Estado, aumento da competitividade das Empresas, aumento das exportações, reformas estruturais da Administração Pública para restituir a confiança aos Portugueses, reforma do Serviço Nacional de Saúde, etc., etc., aqui com a novidade de MFLeite querer acabar com o seu sentido universal, tendencialmente gratuito, como se designava, deixado assim apenas para os desvalidos e onerando, para os restantes cidadãos, toda a assistência prestada, com comparticipações e taxas, porventura maiores do que as que o governo socrático nos tem benemeritamente imposto.

Desta feita, pareceu-me, falaram menos no problema do Sistema de Ensino e da Educação dos Portugueses, coisa que terá agradado a MFLeite, dada a sua anterior responsabilidade na matéria.

Aqui a suposta Thatcher lusitana não poderia fazer jus à fama, porque quando sobraçou essa delicada Pasta se limitou a consentir no regabofe habitual, mais fórmula menos fórmula de cálculo da média para ingresso na Universidade, eldorado onde toda a nossa adolescência impreparada há-de entrar para obter o seu ambicionado Diploma, qual nova carta de alforria para os lusos tempos modernos.

Soube-se hoje, ao fim da tarde, que tinha saído vitoriosa Manuela Ferreira Leite, relegando Pedro Santana Lopes para um desonroso terceiro lugar, atrás até de um eternamente moço, que se distinguiu por ter comandado até quase aos 40 anos a organização juvenil do Partido, tão ocupado, na ingente tarefa, que quase se esquecia de concluir uma Licenciatura, não lhe tendo, porventura, ocorrido que havia uma Universidade, por sinal Independente, teme-se se do trabalho e do saber também, que a facultava por faxe, sem maçadas de aulas, nem de exames ou de projectos de fim de curso.

Tivesse ele contactado com aquele conhecido ex-JSD que, hoje, transmudado em socialista moderno, dirige superiormente o Governo da Nação e muito mais depressa teria resolvido esse pequeno óbice à sua completa assunção de estatuto de mandante político, melhor ainda se liberal, na Economia, como no plano social.

O Professor Marcelo, domingo à noite, há-de, por certo, assegurar-lhe um reconfortante e não mui distante futuro, para quando MFLeite se cansar de exaurir este seu enaltecido triunfo.

Confesso que me custa falar com ironia destas nossas reiteradas desgraças colectivas. Governados por um Partido dito Socialista, elogiado por ultra-liberais, esperançados numa alternativa que eventualmente emerja de uma oposição estranhamente chamada social-democrática, os Portugueses acham-se compreensivelmente à nora, desorientados, com tanta contradição doutrinária nos seus antigos conceitos políticos.

Levamos trinta e quatro anos de experiência neo-democrática e parecemos chegados a 1926, à descrença do final da Primeira República, de que só o acesso generalizado ao crédito nos tem permitido alguma evasão.

Entretanto, alguns nababos acharam o seu «caminho marítimo» para a riqueza e manifestam-se invariavelmente optimistas, verberando, na sua prosa liberal, putativas carpideiras e demais descrentes da senda de virtude e de progresso que o País não tem cessado de traçar, sobretudo no último decénio, apesar da sua descabida relutância.

Recentemente, porém, um distinto socialista não praticante, que há três anos elogiava efusivamente a governação socrática, ao mesmo tempo que denunciava os horrores da mesma política aplicada além-fronteiras, veio advertir os seus confrades no Governo que fariam melhor em reflectir, a sério, na pobreza e nas dificuldades que os cidadãos estão a enfrentar, com a sustentada carestia de vida provocada pelos sucessivos aumentos dos combustíveis e, agora também, dos géneros alimentícios, novo terreno visado da impiedosa especulação financeira globalizada.

Como já se calculava, Soares vê melhor ao longe do que ao perto, mas lá acabou também por enxergar alguma coisa por aqui onde estaciona, de vez em quando, entre dois voos transcontinentais. E lá se dignou aconselhar a família política que isto pode estar precário, também para ela, apesar do fraco crédito actual da oposição.

Pelo visto, não foi bem entendido no Governo que não anda a dormir nestas matérias e está atento à realidade do País, mesmo se compete com ele, Soares, quanto a viagens e ausências no Estrangeiro.

Enfim, acredita-se que ninguém, nunca, tenha sido impedido, nem pelo Demónio, de proferir uma verdade ou de fazer uma coisa certa, muito menos Soares, que amiúde, nestes anos mais chegados, se tem conseguido lembrar de, em tempos, hoje quase pré-históricos, haver jurado pelo Socialismo.

Na gaveta funda onde o terá guardado, segundo ele próprio o confessou, por mera questão de pragmatismo governativo, acaso de novo o encontrou.

Conviria que nos esclarecesse em que ele consiste agora, para nossa comum ilustração e, em particular, que o comunicasse ao seu antes mui elogiado camarada Primeiro-Ministro em exercício, que, de tanto tutear celebridades mundiais, socialistas como capitalistas, baralhou o seu pedaço as coordenadas do filantrópico ideário político que um dia abraçou.

Com tamanha confusão criada, por socialistas e social-democratas, sobretudo, acrescente-se, avizinham-se tempos ainda mais difíceis para os Portugueses.

Que trará MFLeite com a sua vitória para animar as hostes da oposição social-democrática, ela que também só recentemente começou a falar de problemas sociais, depois de nos ter contemplado com um discurso obsessivo acerca do défice orçamental pós-guterrista, afinal não dirimido, apesar do seu e nosso hercúleo esforço?

Aguardemos, então, os novos episódios deste arrastado drama social-democrático, na esperança de um dia, mais perto que distante, nos livrarmos do enorme embuste socialista, na versão socrática, depois de havermos conhecido a sua anterior modalidade, na pessoa do facundo Guterres, igualmente decepcionante, como, de resto, a do Patriarca Soares, muito loquaz no presente, mas sem cumprir, outra vez, aquilo que havia prometido quando saiu de Belém : escrever as suas memórias e cessar a actividade política.

Bem pode este velho Povo fiar-se de tais declarações das suas ditas ilustres figuras políticas…

Contudo, mais uma vez e sempre, não desesperar, porque atrás do tempo, tempo vem. Mas, como bem se sabe, para aproveitar o vento de feição, é mister haver a barca aparelhada…

AV_Lisboa, 31 de Maio de 2008

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